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Epidemia Branca

Urna Eletronica

 “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor” (Nelson Cavaquinho).

 

Por vício ou compromisso, sempre caminho pela cidade. Aprendi a observar e sentir o cotidiano, fico atento aos sons, às vozes e ao silencio significativo do povo. Procuro, como sempre, uma inspiração para uma crônica ou artigo, enfim, algo para alimentar meu blog e/ou uma coluna impressa, mas está difícil. O que vejo por aqui? Muito desencanto, desânimo excessivo, revolta. E algo ainda pior, o conformismo. O que me faz lembrar do português José Saramago, escritor de estilo persuasivo.

Quem já leu Saramago sabe o que esperar. Uma literatura maculada de ironia, de um escritor que tem o senso crítico apurado. Para citar dois exemplos, dentre o conjunto de sua obra, fiquemos com “Ensaios sobre a Lucidez”, que, recomenda-se, deve ser lido concomitantemente a “Ensaios sobre a Cegueira”.

No primeiro, o Prêmio Nobel de Literatura nos conta uma historia fictícia, uma fábula. Na capital de um país imaginário, num dia chuvoso, poucos eleitores compareceram para votar durante a manhã. Preocupadas, as autoridades responsáveis pelo pleito chegaram a supor que haveria uma abstenção gigantesca. À tarde, quase no expirar do prazo, centenas de milhares de eleitores compareceram aos locais de votação. Formaram-se filas quilométricas, e tudo pareceu normal. Mas, para desespero das ditas autoridades, houve quase setenta por cento de votos em branco. Uma catástrofe. Longe da tradicional divisão dos votos entre os partidos da direita, do centro e da esquerda, o que se verificou foi uma opção radical pelo voto em branco. Usando o símbolo máximo da democracia, o voto, os eleitores pareciam questionar profundamente o sistema de sucessão governamental naquele país. É desse “corte de energia cívica” que fala Saramago. Ficava evidente que as instituições, partidos políticos e autoridades haviam perdido a credibilidade junto à população. O voto em branco fora uma manifestação inocente, um desabafo, sinal de indignação pelo descalabro praticado por políticos dos vários partidos. Diferentes, mas de atuações iguais, a usufruir de privilégios que afrontavam a população.

Sentindo-se ameaçados, os governantes trataram de agir em nome da ordem, perseguindo, prendendo, maltratando, eliminando. Alguns dos que viveram os horrores da cegueira branca, voltaram a sofrer. Preocupados em salvar a própria pele, em garantir o poder, os governantes não perceberam que a cegueira branca de outrora, demonstrativo de que há muito o homem estava cego, tinham paralelo com o voto branco de agora, indicativo de que a população não perdera a lucidez.

É desse ponto que passa a se desenvolver a trama do livro: o governo e as autoridades deixam a cidade entregue a si própria, abandonando-a e isolando-a. Acabarão por entrar em cena os mesmos personagens de “Ensaio sobre a Cegueira”, daí a recomendação de que os dois livros devam merecer leitura concomitante.

Em “Ensaios sobre a Lucidez”, Saramago desenvolve uma crítica mordaz às instituições do poder político, ao sugerir que sob a democracia podem estar vetores de natureza autoritária. Alguns leitores chegaram à conclusão de que o autor usou de certa superficialidade na exploração do tema e na própria elaboração da narrativa. Esta, não obstante o estilo inconfundível, não chega a entusiasmar da mesma forma que “Ensaio sobre a Cegueira”, livro de narrativa épica, extremamente rico de emoções. Afora a preciosidade na demonstração de aspectos caricatos dos indivíduos e de toda uma sociedade, a viver num ambiente de completo caos, revelador de tudo o que de bom e, sobretudo de mau o ser humano é capaz. “Ensaios sobre a Lucidez” fica muito aquém desse grande livro, valendo, ainda assim, como outro original exemplo de descrição da fragilidade da sociedade política.

Mas, voltando à realidade, como será que o leitor vê e sente os comportamentos acima descritos?

No próximo mês, ou seja, outubro deste ano, teremos eleições para presidente, governadores, senadores e deputados. Em 2016, eleições municipais. Talvez você, leitor, possa fazer um exercício de rebeldia, de protesto. Iniciar uma campanha pelo voto em branco ou nulo. Ou, como na obra literária acima comentada, não comparecer às urnas. Seria uma maneira inédita de demostrarmos nosso descontentamento com os nossos políticos.

Estou em um momento de profundo descrédito com a classe política brasileira, principalmente a local. O executivo e o legislativo nos deixam indignados com atuações que não condizem com seus cargos. É com tristeza que confesso: perdi a fé.

A insensibilidade, a frieza e a preguiça são explicitadas em tantas ações e omissões que, para além do “fingir que faço”, ao meu modo de pensar, descortinam algo mais sério, mais profundo, que precede tais posicionamentos alheios à sociedade: a vaidade, o apadrinhamento, o imediatismo latente, a manutenção do poder acima de tudo e de todos.

O quadro atual propõe, antes que seja tarde, a mobilização do cidadão. Não mais aquela que há 24 anos a levou à emancipação política. Urge mobilizar toda a cidade, para defender a transparência, a moral, a ética e a democracia, o bem-estar do corpo e do espírito, defender os valores da sociedade, do presente e do futuro.

Votar em branco ou nulo pode ser uma solução radical, extrema, mas, é uma maneira de conclamar nosso povo a lutar pela sobrevivência, pela liberdade de pensar e de agir, de expurgar a submissão e a apatia. O “brasileiro cordial”, de que falava Sérgio Buarque de Hollanda, esse não nos contempla ou interessa mais.

Precisamos criar movimentos de bairros, grupos de discussão e de mobilização social, participar deles e fomentar a participação por parte de outros. Que sejam movimentos voltados para a construção de uma nova cidade, uma cidade com nosso jeito de ser, sem mentiras e dissimulação, sem a corrupção que toma conta do país.

Quem sabe votando em branco, falo de todos nós, sem exceção, num gesto de exasperada indignação, não lográssemos acordar os governantes, sempre muito ocupados com a gestão de situações voltadas para objetivos midiáticos e eleitorais, sempre distantes da simples percepção das realidades cotidianas que trazem desconforto à coletividade.

Quando o eleitor vota em branco, vota pela insubmissão, vota pela justiça e pelo livre pensar, vota por todos nós.

 

 

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Napoleão e seus exemplos…

Napoleão

Purifica o teu coração antes de permitires que o amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo”. Pitágoras

 

           “Ainda”, em muitos cantos e recantos do Brasil de hoje, persiste o pistolão, termo muito empregado para definir nepotismo, a prática que é referenciar um parente ou conhecido que obteve ganhos devido a favoritismo, isso em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. Sua origem vem da epístola, uma carta de apresentação, supostamente feita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I.

           No Brasil, a Carta de Caminha é lembrada como o primeiro caso de tentativa de nepotismo documentada no Brasil, embora esta constatação tenha sido refutada. De acordo com a interpretação original, ao final da carta Caminha teria pedido ao rei um emprego ao seu genro…

        No imaginário popular hoje nepotismo é sinônimo de irregularidade administrativa, praticada por um agente do Estado ocupante de um cargo público que “emprega” um parente sem analisar o mérito para aquela função.

            Assim, nepotismo consiste em condutas praticadas por agentes públicos, que se utilizando dos cargos estratégicos que ocupam na estrutura estatal, passam a nomear ou manter parentes em cargos de comissão em indiscutível prejuízo ao princípio da isonomia, onde todos são iguais perante a lei.

            É normal o governante encontrar “jeitinhos” para continuar a se apoderar da coisa pública em exclusivo benefício privado. Aproveitando-se das exceções admitidas por lei (cargo em comissão), vários agentes públicos começaram a criar número excessivo de cargos em comissão para continuar nomeando pessoas sem o necessário concurso público.

            Como o legislativo não elaborou qualquer norma proibitiva dessa prática, foi que o Supremo Tribunal Federal resolveu por um fim à denominada farra dos parentes comissionados, editando a súmula vinculante n° 13 que especifica regras impeditivas das nomeações de parentes.

            Não cabe aqui entrar em minúcias sobre os casos específicos da súmula, pois são detalhes de menos importância dada à seriedade do tema. Apenas ressalvar que a medida é moralizadora da relação entre o Estado e seus agentes e só o debate em torno da questão já é por si gerador de bons frutos para a democracia brasileira.

            Como podemos perceber uma das maneiras mais usadas para disfarçar o nepotismo, é através dos concursos públicos, cujo favorecimento de candidato pode ser maquiado de maneiras quase imperceptíveis e se torna muito difícil à comprovação da má-fé do gestor público. Mas quando há questionamentos prévios, principalmente nos quesitos básicos, como por exemplo: critérios muitos exagerados para simples funções, é preciso acionar os mecanismos legais para uma eventual anulação, sendo o Ministério Público normalmente o melhor caminho para suas reclamações, preferencialmente, com alguma prova ou testemunha. O Poder Legislativo local é parte fundamental neste processo, pois tem as ferramentas jurídicas e políticas para inibir quaisquer iniciativas neste sentido. O importante quando acontece, é que se chegue a uma solução que compatibilize o respeito aos princípios constitucionais da administração pública, com a segurança jurídica do certame para os candidatos inscritos ou aprovados.

            Curiosamente alguns biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo, uma maneira de seleção familiar. Parentes próximos possuem genes compartilhados e protegê-los seria uma forma de garantir que os genes do próprio indivíduo tenham uma oportunidade a mais de sobreviver.

            Um grande nepotista foi Napoleão Bonaparte. Em 1809, três de seus irmãos eram reis de países ocupados por seu exército.

            Ô raça!

 

Servidor Aposentado da Unesp – FCF/CAr
Pós-Graduação “Lato-Sensu” em Gestão Pública- Gerência de Cidades – FCL/UNESP
E-mail: neumotuca@gmail.com
Blog: www.artigosdoneu.wordpress.com

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A Fé, o Garoto e a Caixa D’água


“Onde houver dúvida, que eu leve a fé; onde houver erro, que eu leve a verdade,
onde houver desespero, que eu leve a esperança”. (Oração de São Francisco de Assis)
 

Inverno de 2012, Rodovia Washington Luís,SP-310. Destino: hospital psiquiátrico em São José do Rio Preto. Realidade nua e crua, não tem como não notar, a cana de açúcar de ponta a ponta, onipresente em suas laterais. Toma conta de tudo um pó marrom que lembra o talco fino, respirar é difícil. Necessária se faz uma parada, há que recompor as energias, buscar ânimo, sentir nosso Deus neste céu cinza, senti-lo no horizonte sem fim, nesta reta interminável, um horizonte que nos engana, que nos dá a impressão da possibilidade de alcançá-lo. Pura ilusão de ótica, ele não chega nunca. Paramos e, num minuto de distração, a fuga acontece, o garoto adentra o canavial, desaparece no nunca mais, fica na mão de Deus.

Há pouco, em nossa terra, que uma rede social passou a chamar de cidade imaginária, ou até mesmo de cidade decente, enquanto os munícipes se dedicavam às suas rotinas, um dos nossos serviços de altofalante, pausadamente anunciou uma notícia estranha: a invasão da caixa d’água. Surpreso, o povo saiu às ruas, esperando maiores explicações. Não houve.

Mais tarde, soube-se que um garoto, com sérios problemas devidos à esquizofrenia, tinha feito a tal invasão. E cabe aqui a reflexão. Invadiu por quê? E como conseguiu invadir uma caixa d’água?  Tomei a liberdade de procurar por alguns de seus familiares, para saber alguma coisa com mais sobriedade, a verdade real dos fatos, fatos que tentarei elucidar com a seriedade a que a matéria faz jus. Li, tentando entender um pouco do mal que acomete o garoto em questão. O que anotei e resumi é o que exponho a seguir. Vale dizer que a leitura foi feita com o intuito único de me servir nesta reflexão, sendo, é claro, insuficiente para a descrição científica da complexidade dessa condição patológica.

Trata-se de uma pessoa com a mente dividida, com alto grau de alienação social, a ponto de desprezar a realidade, tal como normalmente a reconhecemos, e que muitas vezes rompe as amarras do pacto social e cultural, sendo levado a desdenhar da razão. É uma patologia que acomete um percentual pequeno da população, e que se manifesta, de um modo geral, antes dos 25 anos de idade, sem predileção por nenhuma das camadas socioculturais.

Para resumir esta despretensiosa pesquisa, eu poderia concluir que é uma doença que causa distorções do pensamento e da percepção, em decorrência de uma inadequação dos afetos. Igualmente podemos afirmar que pacientes que sofrem desse mal costumam manter claras sua consciência e sua capacidade intelectual.

Bem, foi o que consegui, numa simplificação inevitável do que li a respeito desse distúrbio, não tenho como fugir às minhas limitações. Para, ainda assim, prosseguir, fio-me nas palavras do apóstolo: “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte.” (Tiago 1: 5,6)

A mim parece que, a caixa d’água terá sido, para o implicado, um último recurso. E me pergunto se não terá sido um pedido aos céus, tornando a invocar, no caso, as Escrituras: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus.” (Filipenses 4: 6,7)

Agora tento traduzir o pedido: Eu “invadi”, como já fiz no passado, simplesmente para me fazer notar, chamar a atenção, clamar por compaixão, pedir ajuda, bradar, pois eu quero viver. E a minha tradução me leva às palavras do evangelista: “Vinde a mim, todos os que estão cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Matheus 11: 28-30)

Como já o tenho feito em diversos escritos anteriores, torno a afirmar que a insensibilidade, a frieza e a indiferença ante o sofrimento alheio se manifestam em tantas ações e omissões que, para além do desdém explicito, a meu ver, descortinam algo mais sério, mais profundo, e que está na raíz de posicionamentos alheios às prerrogativas da vida em sociedade: a perda do apreço pelo humano, a falta de solidariedade, do diálogo, o “cada um por si”.

                  Certamente não terá sido casual a escolha da caixa d’água como cenário de seus reclamos. Havia que se mostrar aos olhos dos céus e da terra. E pela fonte de vida que a caixa d’água abriga, pelo que ela representa para nosso corpo biológico, pelo que ela simboliza em termos de pureza, pela visibilidade que ela proporciona.

                  Cumpre propor, no caso, uma ação conjunta, uma mobilização de toda a população da nossa cidade, antes que seja demasiado tarde. Não apenas mais uma daquelas ações tímidas, econômicas, mas uma mobilização capaz de resultados efetivos, com a intenção de resgatar a solidariedade, o bem estar do corpo e principalmente do espírito.

Quem sabe este gesto de insensatez, de desequilíbrio não sirva para abalar a indiferença do poder público para com o bem estar de seu próprio povo, despertá-los dessa insânia de pensar somente em objetivos midiáticos, quando não apenas eleitorais, faça-os compreender que muitas vezes é melhor programar e executar o simples, o óbvio, para amenizar os perigos que ameaçam o cidadão em seu cotidiano. Há que se ter cuidado com a preservação, a segurança e a inviolabilidade das instalações públicas. É o mínimo que se espera das administrações municipais, estaduais ou da União, especialmente quando o que está em jogo é um produto de primeira necessidade: a água.

                  Concluindo: a grande verdade é que, quando a voz de um garoto se faz ouvir do alto de uma caixa d’água, é chegado o momento de repensar, com urgência, alguns conceitos e atitudes, para, de imediato, passar a ter mais atenção para com os semelhantes. Em sendo um preceito cristão, esse é o dever de todo ser humano.

 

Servidor Aposentado da Unesp-FCF
Pós-Graduação “Lato-Sensu” em Gestão Pública-Gerência de Cidades –  FCL/UNESP
E-mail: motuca_city@hotmail.com
Blog: www.artigosdoneu.wordpress.com

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Cartas de Cecília II

“Quem diz não mente, na mão de um fraco, sempre morre um valente”. – Nelson Cavaquinho. (29/10/1911 – 18/2/1986)

 

                                              São Luiz, 29 de outubro de 1968

Querido Neu:

Dez meses já se passaram desde minha última carta. Vocênão me deu resposta. Até entendo, afinal, você é muito ocupado. O fato é que, seu silencio me intimida, mas não tenho alternativa, meus devaneios confio a você, então, volto a lhe perturbar com minhas infantilidades.

Mas, antes quero lhe fazer um convite: Olha, sei que você é um apaixonado pelo seu serrado – é compreensível, afinal o serrado é fundamental para o equilíbrio do ecossistema brasileiro, mas gostaria que pensasse em me visitar, ou melhor, visitar este outro canto do Brasil. Quero lhe apresentar um grande amigo, o Delta do Parnaíba, que, tenho certeza, você deve conhecer pelas letras e por fotos. Quem sabe um dia, com os modernismos que já se acentuam, poderá ver o Delta e outras tantas maravilhas do mundo com um só clique em algum aparelho. Já pensou nisso?

Como você sabe, o Delta está situado entre os estados do Piauí e do meu Maranhão. Nas Américas e no mundo, é o único em mar aberto. Formado pelo rio Parnaíba, tem 1.485 km de extensão, abrindo-se em cinco braços e envolvendo 73 ilhas fluviais. Poxa, meu amigo, o Delta é exuberante, cheio de dunas, mangues e ilhas fluviais, é um cenário paradisíaco, você tem que conhecê-lo.

Mas, voltemos a minha insensatez. Não sei se você notou a data desta carta, mas é uma maneira muito peculiar de demonstrar o quanto lhe admiro. Sei que você é um apaixonado pelo samba de boteco, como Cartola, Pixinguinha, Beth Carvalhos e por aí afora. Aliás, tive que pesquisar, só para lhe agradar, pois samba “não é minha praia”.

Se acertei a “prova dos nove”, Nelson Cavaquinho faz hoje 57 anos. E, pesquisando, descobri uma canção que achei linda, uma pena que, quase como tudo nele, é um pouco triste, ou melhor, melancólica, seu título: A Flor e o Espinho. A composição traz uma frase muito singular e dolorida, “O sol não pode viver perto da lua”, eisso me faz recordar minha insana realidade, que me traz angustia, tormento e raiva (mim mesma).

Os motivos? São óbvios!

Olha, eu Imagino que você ainda se lembre de minha carta anterior, aquela que interrompi ao apagar das “luzes” – ah, essa dependência dos geradores, lembra-se?

Então, sabe aquela dama reluzente, de vestido de chita, lindo? Aquela dama de irradiante beleza, felicidade e, sobretudo, confiança? Foi concluir seus estudos na Europa Ocidental. Para ser mais específica, em Toulouse, no sul da França, partiu, ficará uns dois anos ausentes. Sua partida deixou saudades, mas devo confessar, a mim não!  Aí penso e, me recrimino, deve ser o tal de egoísmo lógico. Nada mais normal perante essa desconfortável situação. Mas você deve estar pensando, onde está à correlação Nelson Cavaquinho nisso tudo? Ora, ela aparece, quando Nelson nos machuca com sua letra e melodia. Entra, quando coloca a paixão e frustração em uma mesma nota musical. Ela entra, quando dá sonoridade em desejos ocultos. Entra, quando nos desnuda perante mais um pecado original.

Queria no meu íntimo, uma letra, uma melodia, que falasse somente de partida, jamais de retorno, mas desconheço. Então, me perdoe, volto para nossa realidade, ou melhor, minha realidade: Você conhece a Jamaica, a terra do reggae? Acredito que sim e, como você sabe, em linha reta, como se diz popularmente, a Jamaica é logo ali. Mas, como nos dois sabemos a realidade não é bem assim, são apenas frases que nascem e ficam. Semana passada, trabalhei de um evento cujo propósito era consolidar o reggae como um produto de qualidade aqui em São Luiz, potencializando sua capacidade de gerar trabalho e renda.

Até aí, tudo bem. Só não esperava encontrar, no evento, o “meu sonho”. Não falava muito, mas me olhava, me olhava intensamente. Havia culpa naquele olhar, havia solidão e saudade, havia também coragem e desafio. Eu desviava os olhos: atração e fuga, calor insuportável, São Luiz é quente, muito quente, saio então e, momentaneamente me sinto protegida…

No dia seguinte, com os primeiros raios de sol, rumei para o caís. Meu barco zarparia em meia hora rumo a Fernando de Noronha, onde devo ficar por uns dois meses. Providencialmente, irei substituir uma colega de trabalho. Meu caro amigo, um mar azul turquesa, praias desertas, natureza exuberante, convenhamos, não é uma fuga confortável?

A vida me pede precaução.

Pelo menos, até meu barco voltar.

Beijos – M.C.

 (Artigo publicado no Cenário – Motuca, março de 2012)

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O bote da jararaca

“Lutei para escapar da infância o mais cedo possível.
E assim que consegui, voltei correndo pra ela “. (Orson Welles
)

 

1965 – Que pena, vamos ter que cortar a perna dele!

Pela data você deve estar pensando em uma sessão de tortura nos pavilhões do antigo “DOPS”, exercício comum praticado pela turma da repressão, os caçadores de “comunas”, – tempo complicado.  De certa maneira realmente foi uma tortura pelos envolvidos diretamente no “causo”. O local não era uma sala de tortura, mas curiosamente um Hospital!

Sala de aula da 4ª série do antigo Grupo Escolar, – os antigos sabem bem o que é isso, a turma da Pedagogia também, – lição do dia: sobrevivência na Selva, ou melhor, no mato, afinal só tínhamos cerrado, os ecólogos como meu filho Bruno sabem bem a importância do cerrado. Vegetação típica do Município, riqueza imensa, habitat natural de vários animais, entre os quais o quati, tatu, onça, lobo, jaguatirica e…cobras! A jararaca e a coral, – as mais perigosas, temidas por todos, um verdadeiro pesadelo.

Calma, – Sucuri não!

Essa aberração só se encontrava nas beiras do Mogi-Guaçú.

Nossa “querida” professora, – as professoras eram “queridas”, hoje são inimigas, principalmente em algumas periferias (sic); nos ensinava os procedimentos que deveríamos tomar em caso de uma eventual “picada” de cobra. Segundo ela, um procedimento muito simples: consistia em apertar ou comprimir o local do ferimento para tirar um pouco “do veneno”, – em seguida amarrar como se fosse um torniquete logo acima da picada, – isso para o veneno subir aos poucos, e rapidamente procurar socorro, – foi à aula!

Vida tranqüila na pré-adolescência interiorana, rotineiramente aulas de manhã, nada de inglês à tarde; informática era coisa de lunáticos, piano, reforço de redação; todas essas obrigações que hoje que não deixam as crianças serem crianças, – raramente existiam!  Tempo livre para futebol, empinar papagaio, hoje “pipa”, bolinha de gude, cinco-Marias ou Capitão, ler gibis, rouba-monte. O estilingue fazia um bom estrago (coitados dos beija-flor e das rolinhas). Toda tarde o nosso destino era o “salto” ou a “cachoeirinha”, ali ficávamos até o anoitecer para o desespero de nossos pais, – para escapar da surra só perdendo a janta. A noite não faltava o balança-caixão!  Já a peteca era mais complicado, a turma do Bolinha dizia que era coisa da turma da Luluzinha, – vai entender!

A seção de tortura aconteceu em uma dessas tardes, um dos “moleque”, hoje um renomado político da cidade, foi picado por uma jararaca; o terror tomou conta da turma, menos de um que lembrou de prontidão da aula de primeiros socorros, a providencial aula de sobrevivência no mato.

Dito e feito! – espreme o dedo da picada e amarra sua canela!

O Salto, com sua simpática prainha, não era tão longe, mas era preciso “transportar” o envenenado rapidamente!

Mas como?

Elementar! Foi escolhido o moleque mais forte de todos: Aquele “pivete”, hoje um honrado servidor da Prefeitura, – era um guarda-roupa, tinha físico de boxeador. O folclórico motuquense, – simplesmente jogou o “já quase falecido” nas costas como se fosse um saco de batata, escafedeu-se em direção a Motuca sem olhar pra trás, parecendo mais um Manga-larga; e olha que a subida do salto não era para qualquer um não! Mas a sorte ajudou um pouco, logo após a subida principal, conseguiu alcançar uma providencial e salvadora carroça…

Bem! Existem professores e professores; tanto quanto alunos e alunos. A realidade é que o garrote na canela do “ressuscitado” foi tão apertado que sua perna quase gangrenou!

 (Artigo publicado no Cenário – Motuca, fevereiro de 2011)

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Churrasco dos pais, uma festa diferente


 

“A juventude, dá festa e diz: você leva a bebida.
É um sinal dos novos tempos.
 O inverso é que tem mania de bancar tudo”.

O ingresso na Universidade é uma conquista pessoal, mas é também, sem sombra de dúvida, uma conquista e um sonho da família do ingressante. Há uma imensidão de nuances até se ingressar na Faculdade. A vida acadêmica, o dia a dia do calouro ou do veterano após a dureza do processo seletivo, leva nossos meninos a uma sensação muitas vezes do dever comprido, mas a coisa não é bem assim.

A vida de aluno numa Faculdade pode ser tranqüila, mas também desastrosa, e isso depende, em muito, da estrutura recebida em casa, coisa que ele leva para o resto da vida. A universidade o acolhe, mas não consegue ser a extensão da família na sua exata acepção, o que, aliás, nem é desejável, pois os garotos devem aprender a voar por si mesmos.

As diferenças comportamentais são “notadas” logo no início da vida acadêmica. Ao receber o trote ou aplicar as tão conhecidas “boas vindas”, já se faz notar o peso da família no comportamento e na conduta destas crianças. Sim, crianças, porque muitos deles entram na faculdade com apenas 17 anos, vale dizer, ainda imaturos e despreparados para a vida.

Dificilmente haverá quem ainda não tenha ouvido falar das “festas” promovidas às quintas nas populares repúblicas ou nos salões das respectivas cidades. É a coisa mais normal do mundo, não fosse o excesso a que se podem entregar alguns deles, perigosamente.

Haja B.O.! A vizinhança que o diga!

Minha prole é composta de três crianças: dois ex-universitários e o terceiro ainda cursando a faculdade. O primeiro é ecólogo, formado por Rio Claro, e vai tocando sua vida. Uma das meninas fez Pedagogia na UFSCar e começa uma pós-graduação Latu-Sensu na Unicamp; embora viva ainda o clima de “república”, já cuida de alguns pivetes. Já a caçula cursa, bem, vamos deixar que ela diga, no linguajar bem próprio do meio estudantil: – “Faço florestal. Na terra dos botocudos”.

Pois em Botucatu e Rio Claro, às repúblicas Mash e MOB fazem anualmente uma festa diferente: a festa ou churrasco dos pais, uma festa de comportamento moderado. Não acredita? Mas devia, meu ser escrevente prova que a festa existe. E, como toda festa, a coisa pegou.

Não sei precisar se a primeira festa foi criada ou não na Mash ou MOB, mas isso se torna irrelevante ante o significado e a relevância do que foi criado, um novo conceito de festa, elaborada e posta em prática pelos próprios alunos, sem o palpite dos pais, cujo único papel é desfrutar dela.

Não saberia definir bem a real dimensão do que é, hoje, a festa dos pais, mas ela me toca profundamente. Pode ser que, para muitos, não passe de mais um “encontro”. Mas não. É um exercício maravilhoso de convivência, de extremos, de choro, de riso, música, dança e da siesta. Momentos do abraço gostoso, de entrarmos um pouquinho mais na doce e arredia intimidade das famílias que somente conhecíamos por “ouvir falar”. É interessante ver, ouvir os projetos que ousaram criar para seus rebentos, sonhos normalmente possíveis, mas muitas vezes um tanto quanto utópicos, coisa de pais.

Com esta festa aprendemos a ter um comportamento, atitudes e, sobretudo, uma outra visão do quanto é importante estarmos ligados, sempre, na nova vida que nossos filhos abraçaram. Entre outras coisas, com este ajuntamento festivo aprendemos quão reconfortante é dar o ombro a quem precisa, coisa que muitas vezes a gente tanto procura. Do convívio, brota o alívio para as angústias e medos de quem tem os filhos fora de casa, colhem-se conselhos com quem sabe dessas coisas. Neste dia, tão peculiar, extrapolamos na comilança e na bebida, deixamos de lado a segurança da moderação, damos um basta na rotina depressiva, jogamos fora o despertador da vida.

É muito gostoso tomar assento na roda da MPB, sair em serenata pela madrugada ou simplesmente entrar na batucada, desritmada que seja, enfim, ir ao limite da nossa resistência. Ah, sim, cochilar no banco traseiro do carro, ou dormir em uma providencial rede, porque aí, meus queridos, chega uma hora que não dá mais para agüentar. A “festa dos pais” já contaminou Botucatu e outros campus da Unesp, vai chegando discretamente à Unicamp e, como a semente é boa, deve pegar fácil. E isso é muito bom, mostra que não só das quintas, famigeradas, vivem os nossos filhos.

Criar, manter, propagar esta festa, com absoluta certeza, faz a Universidade muito melhor, torna nossos filhos especiais, transformadores.

Talvez, num próximo churrasco, possamos aproveitar uma pausa para discutir o papel dos pais no comportamento das crianças, nas desumanas “boas vindas” que ainda persistem nas universidades do país.

Por favor, inclua-se na pauta!

  (texto publicado no link “Debate Acadêmico” do site da UNESP em 23/03/2011 e no Jornal Cenário de Motuca, em maio de 2011)

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Bye bye Unesp

FCF – Unesp

A primeira condição de quem escreve é não aborrecer” (Machado de Assis).

        Eu poderia ser Salomé, Lorde Cigano ou Andorinha. Poderia, sim, ter sido ator ou compositor, como os personagens acima. Poderia ter percorrido o país de ponta a ponta e fazer da vida um enorme espetáculo, ou qualquer outra coisa, como qualquer pessoa. Mas não. Tive a percepção, desde cedo, de que minha vida, para dar certo, teria que ser voltada para a atividade pública. O tal tempo de resposta que cada ser humano tem para dar às coisas. Isso vale tanto para projetos pessoais, como para desafios ou desempenhos na vida pública ou privada. Cada indivíduo, a seu modo, tem o seu tempo de resposta, essa é uma verdade incontestável.

Então decidi, ad-referedum, que minha geografia terrestre tivesse limites pré-concebidos. Meu êxodo rural foi minha migração para a capital. Não abri estradas e nem sofri impactos relevantes na minha estadia urbana. Decidi que seria feliz com minha escolha e ponto. Foi uma decisão sem interferências, pessoal e consciente. Nasci com vocação para a coisa pública, com a missão de bem servir, ou ao menos tentá-lo.

Meu tempo chega sem crise, sem os conhecidos e rotineiros surtos traumáticos. Minha autoestima, como minha pressão arterial, está controlada. Os sintomas peculiares desta fase, como apatia, conformismo ou depressão, aquelas sensações de vazio, e o clássico sentimento de inutilidade, preventivamente não me acometeram.

O segredo? Planejamento. É o que acho hoje. É a postura mais sensata e correta. Até para encerrar o “período produtivo” é preciso planejar. Descobrir previamente novos caminhos, acreditar em si próprio, ter plena consciência dos próprios limites. Afinal, você levou um longo tempo na condição de aprendiz. Tudo pensado e resolvido, você percebe que a tua auto-estima foi preservada, e isso se reflete, naturalmente, na motivação constante. Podemos redimensionar nossa capacidade de produzir, afinal, após 50 ou 60 anos, descobrir e tocar novos projetos, ou mesmo retomar os que ficaram para trás, não deve ser muito complicado.

Este simples servidor acredita que é extremamente importante desenvolver coisas prazerosas, um hobby talvez. E, dependendo da situação, melhor que a nova atividade ou hobby sejam remunerados; unir o útil ao agradável não é passível de condenação.

A quem, por força das circunstâncias, se fez possível conhecer e transitar por cargos e processos hierárquicos variados, não lhe haverá de faltar uma visão positiva da aposentadoria, com aquele gostinho do dever cumprido, pois versatilidade, em regra, está associada a conhecimento, e o conhecimento traz segurança. Há que se ter cuidado para não confundir aposentadoria com a tal “melhor idade”, o que equivale a se entregar ao risco da quase incontornável monotonia reinante nos atuais centros da terceira idade. A mim, me causa tristeza ver os velhinhos não fazendo senão jogar caxeta em tardes infindáveis. É impressionante como falta criatividade aos monitores de tais centros, quase sempre vinculados às prefeituras municipais.

Considero afrontosa e até mesmo agressiva uma certa visão e os comportamentos dela resultantes, pois, num país que se pauta pelos ditames da sociedade capitalista, que julga e valoriza o ser humano por sua capacidade produtiva, é lamentável constatar que o idoso entra no rol dos seres não produtivos, meros consumidores.

No livro do Gênesis, a vida longa é um prêmio concedido por Deus, assim como a experiência do idoso é guia para os jovens e os cabelos brancos são sinais de virtude e sabedoria – lógico, salvando as exceções. Uma bela velhice é recompensa de uma bela vida.

Quanto ao “rito de passagem”, ele pode e deve ser útil e emocionalmente gratificante. Cada pessoa deve procurar seu caminho de felicidade de acordo com suas próprias circunstâncias. Este tocador da “atividade meio” – imensa metalurgia de papel, na qual nem sempre se tem consciência do “produto final”, depois de sua longa jornada pelos labirintos administrativos desta conceituada Universidade, entendeu que caberia, até como obrigação, rascunhar estas pequenas considerações sobre o ato de aposentar-se.

Os outros  servidores, não sei o que eles pensam a respeito e o que farão de suas vidas. Só espero que sejam felizes. A mim, entre outras coisas, transformei em hobby o desafio da escrita. Escrever me causa deleite, adoro agarrar um tema e esmiúça-lo, perseguir-lhe com paciência e teimosia os possíveis significados, fazer com que eles se manifestem em fábulas, crônicas e contos, e isso por ora me diverte.

Prezados senhores e senhoras, mui dignos membros do Parlamento, da Câmara do Parlamento, da Câmara Alta, do CO, da CCEU, da CCG, da Congregação e, de modo bastante especial, do Conselho Deliberativo do NAC, enfim, amados colegas, de coração, o meu muito obrigado.

 (texto publicado no link “Debate Acadêmico” do site da UNESP, em 20/07/2011

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