Churrasco dos pais, uma festa diferente


 

“A juventude, dá festa e diz: você leva a bebida.
É um sinal dos novos tempos.
 O inverso é que tem mania de bancar tudo”.

O ingresso na Universidade é uma conquista pessoal, mas é também, sem sombra de dúvida, uma conquista e um sonho da família do ingressante. Há uma imensidão de nuances até se ingressar na Faculdade. A vida acadêmica, o dia a dia do calouro ou do veterano após a dureza do processo seletivo, leva nossos meninos a uma sensação muitas vezes do dever comprido, mas a coisa não é bem assim.

A vida de aluno numa Faculdade pode ser tranqüila, mas também desastrosa, e isso depende, em muito, da estrutura recebida em casa, coisa que ele leva para o resto da vida. A universidade o acolhe, mas não consegue ser a extensão da família na sua exata acepção, o que, aliás, nem é desejável, pois os garotos devem aprender a voar por si mesmos.

As diferenças comportamentais são “notadas” logo no início da vida acadêmica. Ao receber o trote ou aplicar as tão conhecidas “boas vindas”, já se faz notar o peso da família no comportamento e na conduta destas crianças. Sim, crianças, porque muitos deles entram na faculdade com apenas 17 anos, vale dizer, ainda imaturos e despreparados para a vida.

Dificilmente haverá quem ainda não tenha ouvido falar das “festas” promovidas às quintas nas populares repúblicas ou nos salões das respectivas cidades. É a coisa mais normal do mundo, não fosse o excesso a que se podem entregar alguns deles, perigosamente.

Haja B.O.! A vizinhança que o diga!

Minha prole é composta de três crianças: dois ex-universitários e o terceiro ainda cursando a faculdade. O primeiro é ecólogo, formado por Rio Claro, e vai tocando sua vida. Uma das meninas fez Pedagogia na UFSCar e começa uma pós-graduação Latu-Sensu na Unicamp; embora viva ainda o clima de “república”, já cuida de alguns pivetes. Já a caçula cursa, bem, vamos deixar que ela diga, no linguajar bem próprio do meio estudantil: – “Faço florestal. Na terra dos botocudos”.

Pois em Botucatu e Rio Claro, às repúblicas Mash e MOB fazem anualmente uma festa diferente: a festa ou churrasco dos pais, uma festa de comportamento moderado. Não acredita? Mas devia, meu ser escrevente prova que a festa existe. E, como toda festa, a coisa pegou.

Não sei precisar se a primeira festa foi criada ou não na Mash ou MOB, mas isso se torna irrelevante ante o significado e a relevância do que foi criado, um novo conceito de festa, elaborada e posta em prática pelos próprios alunos, sem o palpite dos pais, cujo único papel é desfrutar dela.

Não saberia definir bem a real dimensão do que é, hoje, a festa dos pais, mas ela me toca profundamente. Pode ser que, para muitos, não passe de mais um “encontro”. Mas não. É um exercício maravilhoso de convivência, de extremos, de choro, de riso, música, dança e da siesta. Momentos do abraço gostoso, de entrarmos um pouquinho mais na doce e arredia intimidade das famílias que somente conhecíamos por “ouvir falar”. É interessante ver, ouvir os projetos que ousaram criar para seus rebentos, sonhos normalmente possíveis, mas muitas vezes um tanto quanto utópicos, coisa de pais.

Com esta festa aprendemos a ter um comportamento, atitudes e, sobretudo, uma outra visão do quanto é importante estarmos ligados, sempre, na nova vida que nossos filhos abraçaram. Entre outras coisas, com este ajuntamento festivo aprendemos quão reconfortante é dar o ombro a quem precisa, coisa que muitas vezes a gente tanto procura. Do convívio, brota o alívio para as angústias e medos de quem tem os filhos fora de casa, colhem-se conselhos com quem sabe dessas coisas. Neste dia, tão peculiar, extrapolamos na comilança e na bebida, deixamos de lado a segurança da moderação, damos um basta na rotina depressiva, jogamos fora o despertador da vida.

É muito gostoso tomar assento na roda da MPB, sair em serenata pela madrugada ou simplesmente entrar na batucada, desritmada que seja, enfim, ir ao limite da nossa resistência. Ah, sim, cochilar no banco traseiro do carro, ou dormir em uma providencial rede, porque aí, meus queridos, chega uma hora que não dá mais para agüentar. A “festa dos pais” já contaminou Botucatu e outros campus da Unesp, vai chegando discretamente à Unicamp e, como a semente é boa, deve pegar fácil. E isso é muito bom, mostra que não só das quintas, famigeradas, vivem os nossos filhos.

Criar, manter, propagar esta festa, com absoluta certeza, faz a Universidade muito melhor, torna nossos filhos especiais, transformadores.

Talvez, num próximo churrasco, possamos aproveitar uma pausa para discutir o papel dos pais no comportamento das crianças, nas desumanas “boas vindas” que ainda persistem nas universidades do país.

Por favor, inclua-se na pauta!

  (texto publicado no link “Debate Acadêmico” do site da UNESP em 23/03/2011 e no Jornal Cenário de Motuca, em maio de 2011)

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